Análise

A reforma tributária sob a ótica do comércio exterior

Por Raquel Cavalcanti, gerente sênior de Global Trade Advisory da Deloitte

A proposta da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados e atualmente em processo de votação no Senado Federal tem sido amplamente discutida. Diversas abordagens foram adotadas para analisar o tema, considerando a perspectiva setorial, dos Estados e dos consumidores, o que garantiu ao assunto um espaço de destaque no debate público. Responsável por cerca de 40% do PIB brasileiro, o Comércio Exterior não escapará ileso frente ao novo sistema tributário, de tal forma que faz jus a uma análise adequada e específica.

A legislação aduaneira no Brasil tem experimentado, nos últimos anos, uma evidente modernização. As atualizações e integrações normativas consolidaram diferentes modalidades de regimes e ampliaram os benefícios oferecidos. O regime de Drawback, por exemplo, criado em 1966, originalmente permitia a isenção de impostos apenas para insumos importados. Em 2010, com o estabelecimento do Drawback Integrado, essa restrição foi superada ao equiparar os insumos importados aos adquiridos localmente. Adicionalmente, o alcance desse regime foi expandido para a cadeia produtiva por meio da modalidade Intermediário.

Regimes complexos como o Recof  e o Repetro , em suas versões SPED , passaram a adotar o controle por meio de obrigações acessórias eletrônicas, o que tornou a utilização mais acessível e prática, dispensando a necessidade de sistemas informatizados. Feitas as ressalvas e, embora haja pontos positivos, é importante ressaltar que a carga tributária média nas importações impõe um ônus considerável, podendo chegar a até 70% do valor aduaneiro do produto no momento do desembaraço. Além disso, tem-se nota de distorções significativas como a exportação de resíduos tributários acumulados ao longo das etapas da cadeia produtiva. Alternativamente, a utilização de regimes especiais, seja na esfera federal ou estadual, ganhou espaço como um instrumento de eficiência e planejamento tributário.

A Reforma Tributária propõe limites a concessão de incentivos fiscais, mecanismos atualmente caros à competividade das empresas brasileiras no exterior. O regime aduaneiro especial se diferencia do regime tributário especial em escopo e propósito. O regime tributário especial se refere a um conjunto de regras direcionadas a determinados setores, atividades ou empresas, com o objetivo de conceder benefícios fiscais ou simplificar o pagamento de impostos, como redução de alíquotas ou bases de cálculo, concessão de créditos presumidos, regimes de apuração diferenciados, entre outros. O regime aduaneiro especial, por sua vez, não está limitado a lógica doméstica e parte de uma convenção internacional, abrange normas e procedimentos específicos aplicados às operações de comércio exterior, visando facilitar e incentivar as exportações por meio de benefícios aduaneiros, como isenção ou redução do custo tributário. 

Alguns regimes aduaneiros de caráter suspensivo possuem uma função primariamente logística, não estando sequer ligados à redução da carga tributária, mas sim possibilitando benefícios relacionados ao trânsito ou ao armazenamento aduaneiro. Esses regimes têm impacto no controle do fluxo de caixa, no gerenciamento de estoques e representam uma forma de criar estratégias de mercado de extrema relevância em um país de dimensões continentais como o Brasil. Alguns exemplos desses regimes são o entreposto alfandegado, o trânsito aduaneiro e a admissão temporária que foram convencionados, com a adesão brasileira, no contexto da Organização Mundial das Aduanas.

Sob a perspectiva dos regimes aduaneiros destinados a incentivar as exportações, como o Drawback, Recof e o Repetro, a principal finalidade é a isenção do Adicional do Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), em embarques marítimos, e do Imposto de Importação, que é definido na Tarifa Externa Comum (TEC). Esses tributos, tampouco, são alcançados pela Reforma Tributária em discussão, que se concentra principalmente na criação de dois novos impostos sobre valor agregado – a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – em substituição ao IPI, PIS, COFINS, ICMS e o ISS.

O conceito de alíquota única aliado ao princípio do destino (onde a alíquota e a arrecadação estão vinculadas ao local de consumo), em contrapartida, impactará os incentivos fiscais do ICMS concedidos pelos estados e validados pela Lei Complementar nº 160/17. A atuação das tradings companies, envolvidas no serviço de importação indireta incentivada, tenderá a desafios significativos. Nesse contexto, discussões quanto o estabelecimento de filiais no estado onde ocorra o desembaraço podem se tornar irrelevantes.

A proposta enfatiza a garantia da não cumulatividade plena, o que abriria caminho para a utilização de créditos tributários como forma de compensação do pagamento dos tributos aduaneiros (IVA-Importação). Atualmente, esses tributos são pagos “antecipadamente” no momento do desembaraço. Nesse cenário, o importador ganharia em fluxo de caixa e a implementação dessa lógica de compensação teria um efeito similar aos regimes de natureza suspensiva.

Ademais, é presumível que o mecanismo do Reintegra, atualmente estabelecido em uma alíquota mínima de 0,1% e destinado a restituir resíduos tributários sobre as exportações, se torne ineficaz ou necessite passar por uma reformulação significativa. Considerando a redação de reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados, entende-se que as exceções tarifárias elegíveis às máquinas e equipamentos sem similar nacional, o chamado “Ex-tarifário”, seguirão ilesas como forma de estímulo à indústria, geração de emprego e renda.

Por fim, o Imposto Seletivo, com seu caráter regulatório, incorpora a sigla ESG (Environmental, Social and Governance) ao sistema tributário brasileiro. Tomando como exemplo o "imposto sobre o carbono" aplicado às importações industriais nas economias europeias, surge a ideia de um pedágio ambiental que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Nesse sentido, não seria surpreendente considerar a possibilidade de compensação deste imposto por meio de créditos sustentáveis.

A proposta da reforma tributária tende a trazer implicações para as operações de comércio exterior tal qual conhecemos. No entanto, o tratamento tributário diferenciado e a lógica da desoneração são "árbitros" cruciais para equilibrar a balança comercial de um país. As exportações são fontes importantes de receita, impulsionam o crescimento econômico, criam empregos e promovem a competitividade das empresas. Além disso, permitem o acesso a novos mercados e promovem uma imagem positiva do País no exterior, destacando sua capacidade produtiva e a qualidade de seus produtos e serviços.

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