Análise

Flexibilização, simplificação e eficiência: as novas regras das ofertas públicas no Brasil

Por Luiz Goerk, gerente de Audit & Assurance da Deloitte

Nos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro tem vivenciado um grande crescimento na quantidade de ofertas públicas e no número de investidores. Conforme informações estatísticas disponíveis na B3, mesmo com os impactos da pandemia do Covid-19, as ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) e secundárias (follow-on) registraram volumes totais de R$ 117,8 bilhões em 2020 e R$ 130,5 bilhões em 2021, comparado ao volume total de R$ 89,6 bilhões em 2019. Em dezembro de 2021, havia 4,2 milhões de investidores pessoa física na Bolsa, um aumento de 56% de novos investidores no mercado de capitais em relação a 2020, conforme levantamento divulgado pela B3. Os 4,2 milhões de investidores pessoa física na B3 investiam um total de R$ 501 bilhões no mercado brasileiro, o que mostra o avanço da democratização do mercado de capitais nos últimos anos.

Entretanto, o aumento na quantidade de ofertas e no número de investidores traz algumas necessidades, como maior celeridade e simplificação no processo de ofertas públicas.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem realizando, nos últimos anos, uma série de mudanças regulatórias com objetivo de modernizar e flexibilizar a realização de ofertas públicas e, também, de simplificar o acesso a informações das ofertas aos investidores, além de tornar o processo menos oneroso.

A reforma do arcabouço regulatório tem como objetivo trazer maior previsibilidade, agilidade e segurança jurídica para as ofertas públicas de valores mobiliários e será de extrema importância, dado o crescente papel do mercado de capitais para o país. Entre as mudanças mais relevantes estão as editadas pela CVM em julho de 2022:

  • Resolução 160: busca trazer maior flexibilidade à realização de ofertas públicas. Ela substituirá as Instruções CVM 400 e 476 a partir de janeiro de 2023 e será a regra geral aplicável às ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários no Brasil.
  • Resolução 161: estabelece um novo regime de registro dos coordenadores de ofertas públicas. O objetivo é aumentar a eficiência do acompanhamento desses participantes quando as ofertas têm menos controles prévios por parte da CVM e, também, facilitar o ingresso de novos agentes como coordenadores de ofertas públicas.
  • Resolução 162: promove alterações pontuais em outras regras vigentes, com objetivo de adaptar sua terminologia e estrutura às demais resoluções editadas pela CVM em julho de 2022;
  • Resolução 163: trata das ofertas públicas de distribuição de notas promissórias, e substituirá a Instrução CVM 566.

As mudanças mais significativas são as trazidas pela CVM 160. Ela substituirá as duas principais regras de ofertas públicas atualmente em vigor, com a criação de um regime único de ofertas públicas, além de novas regras para safe harbors, pilot fishing, lote adicional e publicidade, entre outros. Também estabelece novos modelos de prospecto, lâmina, matriz de registro de ofertas, divulgação do material do roadshow e SPAC.

Regime único de ofertas públicas

A nova regra extingue o regime de oferta pública registrada e de oferta pública dispensada de registro. A partir de janeiro de 2023, passa a valer um regime único de ofertas públicas, com registro obrigatório de todas, sendo observados dois ritos específicos de registro: o automático e o ordinário.

O rito automático manteve as principais vantagens das ofertas ICVM 476, além da exclusão do limite de 75 potenciais investidores que podem ser acessados, exclusão da restrição de 90 dias para negociação após a conclusão da oferta, eliminação do limite de quatro meses para realização de nova oferta de mesmo valor mobiliário pelo emissor e, no caso de ofertas de ações, eliminação da restrição à negociação no mercado secundário. A nova regra prevê determinadas hipóteses em que o rito de registro será automático, uma vez cumpridos os requisitos e procedimentos previstos, tais como ofertas destinadas a investidores qualificados e profissionais (como IPO e follow-on de emissores em fase operacional), emissores que tenham relacionamento habitual com o mercado de capitais (emissor frequente de valores mobiliários de renda fixa e emissor de ações com grande exposição ao mercado). A regra ainda prevê uma modalidade de registro automático com análise prévia de entidade autorreguladora que mantenha convênio com a CVM.

O rito de registro ordinário é semelhante ao procedimento existente na ICVM 400. Nele, haverá análise prévia pela CVM para sua obtenção, devendo ser seguido em ofertas iniciais de distribuição de ações ou valores mobiliários conversíveis ou representativos de ações que não tenham sido submetidos à análise de entidades autorreguladoras. Entretanto, o prazo final da CVM para responder sobre vícios sanáveis passa a ser de três dias úteis para as ofertas de todos os valores mobiliários, e não somente para as de ações ou de BDR.

Safe harbors

A nova regra prevê quais ofertas não estão sujeitas à regulamentação da CVM. Entre elas estão as de valores mobiliários emitidos e admitidos à negociação em mercados organizados de valores mobiliários estrangeiros, com liquidação no exterior em moeda estrangeira, quando adquiridos por investidores profissionais residentes no Brasil através de conta no exterior.

Pilot fishing

A nova regra manteve a consulta a potenciais investidores sobre a viabilidade da oferta; entretanto, não há mais a limitação ao número máximo de 50 de investidores. As consultas deverão ser realizadas somente com investidores profissionais, e a lista com a identificação dos investidores consultados e as apresentações e materiais utilizados na consulta deverão estar sempre à disposição da CVM.

Quiet period

O período de silêncio (quiet period), durante o qual os participantes da oferta não devem se manifestar sobre o emissor ou a sobre oferta, passa a ser de 30 dias contados da data da aprovação societária. Atualmente, o período de silêncio começa60 dias antes do protocolo da oferta.

Lâmina da oferta

A nova regra criou um documento de divulgação obrigatória chamado “lâmina da oferta”, que deverá ser elaborado em um formato padrão, de acordo com o valor mobiliário a ser ofertado, e que deverá conter as principais informações da oferta e do emissor e cinco fatores de risco mais relevantes.

Prospecto

Agora, o prospecto passará a ter cinco modelos pré-definidos, que variam de acordo com o valor mobiliário a ser ofertado. Também foi estabelecida a limitação de até 15 páginas para a seção de principais características da oferta e uma exposição mais direta sobre os fatores de risco, que devem passar a ser ordenados em uma escala qualitativa de risco menor, médio ou maior. Também foram alterados o Aviso ao Mercado, o Aviso de Início de Distribuição e o Anúncio de Encerramento, para diminuir a quantidade de informações divulgadas.

Publicidade na mídia

Após o início do período da oferta, é permitido dar ampla publicidade à oferta, desde que isso seja feito com linguagem consistente e moderada, sem omitir a existência de riscos. Além disso, a nova regra permitirá a realização de entrevistas na mídia durante o período da oferta, observadas as diretrizes gerais de publicidade.

Lote adicional (hot issue)

A quantidade de valores mobiliários a ser distribuída no âmbito do lote adicional passou de 20% para 25%. Nas ofertas destinadas exclusivamente a investidores profissionais, é dispensada a observância do limite de 25%, devendo o valor máximo do lote adicional estar previsto nos documentos da oferta, assim como a especificação da destinação dos recursos adicionais.

Special purpose acquisition companies – SPAC

A nova regra passa a regular as ofertas realizadas por special purpose acquisition companies (as chamadas SPAC), que são as companhias criadas com o propósito específico de aquisição de uma outra companhia. Como a nova regra classificou a SPAC como uma sociedade pré-operacional, as ofertas poderão ser direcionadas somente a investidores profissionais, não sendo necessário preparar um estudo de viabilidade econômico-financeira. Entretanto, a negociação de valores mobiliários deverá ser feita exclusivamente por investidores qualificados, por um período de seis meses a partir da data da combinação de negócios entre a SPAC e uma sociedade operacional (o chamado de-SPAC).

O que muda para os emissores?

É esperado que as novas regrastragam maior agilidade no processo de oferta, além de aumentar o alcance a investidores e menor restrição. Também é esperada uma redução dos custos regulatórios, e por tabela, dos custos da emissão dos valores mobiliários.

Mesmo com esses prazos mais curtos, ainda existe a necessidade de elaboração das demonstrações financeiras consolidadas dos últimos três exercícios, e dos trimestres do ano no qual o registro e a oferta são solicitados. Essas demonstrações devem ser auditadas por auditor independente registrado na CVM e conter um relatório sem ressalvas.

Como a elaboração e auditoria das demonstrações financeiras costumam ser gargalos relevantes nestes processos, para as companhias aproveitarem a simplificação regulatória também é imperativo que elas se preparem previamente para a transação, melhorando sua governança e seus processos contábeis.

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