reforma tributária e período de transição

Perspectivas

Reforma tributária requer atenção por parte dos contribuintes ao período de transição

Um breve contexto do cenário fiscal, simplificação tributária e Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada no Congresso

Por Guilherme Giglio, sócio de Consultoria Tributária da Deloitte, e Bruno Maestrini, diretor de Consultoria Tributária da Deloitte

Contexto atual e motivações para a aprovação da Reforma

Há anos discute-se a implementação de uma reforma tributária no País que fosse capaz de corrigir diversos aspectos do sistema atual referentes à complexidade criada ao longo dos anos. No entanto, com a chegada da PEC 45/2019, quais cuidados os contribuintes devem tomar?

Ao falarmos sobre tributos indiretos no Brasil, aqueles que incidem sobre o consumo, deve-se considerar as segregações de suas competências entre União (PIS, Cofins e IPI), Estados e Distrito Federal (ICMS), e Municípios (ISS). Esse cenário – com vinte e sete unidades federativas cuidando do ICMS e mais de cinco mil e quinhentos municípios introduzindo o ISS, cada qual com suas legislações, entendimentos e regras específicas –, tem sido uma das maiores razões para chegarmos no atual nível de complexidade observado no modelo de tributação indireta do País.

Diversos aspectos tornam a operação fiscal no País uma tarefa muito desafiadora, como:

  • As diversas obrigações acessórias;
  • O nível de detalhamento requerido nas informações prestadas ao fisco;
  • As inúmeras possibilidades de regras envolvendo fatores como origem, destino, produto, tipo de destinatário;
  • A existência de acordos entre os estados para fins de substituição tributária, entre outros.

Como consequência disso, as empresas gastam muitas horas a cada mês para acompanhar as mudanças legislativas, preparar as obrigações acessórias, implementar ajustes ou novos requerimentos, atender eventuais notificações do fisco etc. Segundo a pesquisa “Tax do Amanhã 2023”, realizada pela Deloitte, esse número de horas necessárias pode chegar, anualmente, a quarenta e quatro mil, dependendo do tamanho da empresa e seu setor de atuação.

Tal situação afasta os investimentos estrangeiros, pois as dificuldades em atender às regras tributárias brasileiras pesam de forma negativa na balança do investidor, que pode optar por direcionar seus recursos a países com um sistema tributário mais simples e transparente. Mais do que se preocupar com a carga tributária em si, empresas e investidores atem-se aos riscos e à insegurança jurídica decorrentes do sistema atual.

 

Entenda sobre a PEC 45/2019

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019, aprovada no Congresso Nacional e promulgada por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, busca atender, ao menos em parte, por essa transparência e simplificação. O modelo tributário proposto prevê a criação do chamado “IVA dual”.

O IVA é o Imposto sobre Valor Adicionado adotado atualmente por mais de cento e setenta países, onde tem se mostrado neutro economicamente e eficaz sob o ponto de vista arrecadatório. O modelo “dual” se refere a dois tributos que serão criados para a substituição de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS:

  1. O primeiro, de competência exclusiva da União, é a CBS (Contribuições sobre Bens e Serviços), que substituirá o PIS, a Cofins e o IPI.
  2. O segundo, de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, é o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá o ICMS e ISS.

A ideia inicial era a criação de um único tributo de competência federal, trazendo maior simplificação ao modelo, porém, as dificuldades de conciliação de interesses dos diferentes entes e em atenção ao Pacto Federativo, fez com que a solução proposta adotasse o sistema “dual” mencionado, também existente em outros países, que considera a criação de dois tributos, no lugar de um.

O fim da “Guerra Fiscal”

A “Guerra Fiscal” é uma concessão unilateral de incentivos fiscais do ICMS por unidades federativas, a qual possui a finalidade de atrair contribuintes para se estabelecerem em seus territórios e, consequentemente, aumentar a arrecadação e a geração de investimentos locais. Contudo, ao longo dos anos esse movimento foi objeto de muitas Ações Diretas de Inconstitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

A Lei Complementar nº 160/2017, culminada na publicação do Convênio ICMS nº 190/2017, foi estabelecida para colocar um prazo final nessa situação, determinando que tais incentivos fiscais poderiam ser usufruídos pelos contribuintes somente até 2032. Alinhada a este prazo, a reforma tributária determina um modelo de transição em que o sistema atual seja totalmente substituído pelo modelo proposto a partir de 2033, ou seja, os contribuintes detentores de incentivos fiscais poderão aproveitá-los até o final de 2032, como previsto antes mesmo da PEC nº 45/2019.

Além da extinção dos benefícios concedidos pelas unidades federativas, a reforma também propõe uma mudança de extrema relevância relacionada à tributação no destino, determinando que o tributo será recolhido de acordo com o local onde o destinatário estivesse localizado, ou seja, a concessão de benefícios fiscais na origem não terá mais efeito na carga tributária da operação, uma vez que o tributo será integralmente recolhido no destino.

Uma vez que tais benefícios deixarão de existir a partir de 2033, essa situação poderá trazer grandes impactos aos contribuintes que se estabeleceram em determinadas regiões com o objetivo de obter otimizações tributárias. A fim de não criar grandes desequilíbrios regionais em decorrência desse possível cenário, a reforma prevê a constituição de fundos compensatórios que irão auxiliar unidades federadas a não serem impactadas sobremaneira com as mudanças previstas.

 

Demais regras e exceções previstas no novo modelo

1. Base de cálculo abrangente e alíquota única: CBS e IBS incidirão sobre bens e serviços, tangíveis, intangíveis, importações e produtos digitais, representando um grande avanço no modelo proposto por acabar com discussões sobre a incidência de ICMS ou ISS sobre determinadas prestações. Além disso, prevê-se a aplicação de uma alíquota padrão única, com poucas exceções – alguns grupos específicos de produtos e serviços de elevada importância social serão considerados exceções, prevendo-se a aplicação de alíquota reduzida ou alíquota zero.

a) Redução de alíquota em 60%: serviços de educação; insumos agropecuários e agrícolas; alimentos destinados ao consumo humano; produtos de higiene pessoal, limpeza e cuidados básicos à saúde menstrual; produtos agropecuários, agrícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas in natura; serviços de transporte coletivo (rodoviário e metroviário); medicamentos, dispositivos médicos e serviços de saúde; dispositivos de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida; produções artísticas e congêneres; atividades desportivas; comunicação institucional; bens e serviços de segurança nacional, da informação e cibernética.

b) Redução de alíquota em 30%: serviços profissionais fiscalizados por conselhos profissionais, serviços de profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística.

c) Alíquota zero: serviços de educação superior (Prouni) – aplicável apenas com relação à CBS; produtores rurais (pessoa física com receita anual de até R$ 3,6 milhões); produtos constantes da cesta básica (cuja definição terá abrangência nacional), produtos hortícolas, frutas e ovos; medicamentos; dispositivos médicos; dispositivos de acessibilidade e automóveis para pessoas com mobilidade reduzida; automóveis para pessoas com transtorno do espectro autista e taxistas; produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte público coletivo (rodoviário e metroviário); reabilitação urbana de zonas históricas e áreas críticas de recuperação urbanística e serviços de entidades de inovação, ciência e tecnologia sem fins lucrativos (ICTs).

2. Cálculo “por fora”: diferentemente do modelo de formação de preço atual (gross up) – no qual o tributo é inserido no valor do produto/serviço “por dentro”, compondo a sua própria base de cálculo na maioria das vezes – a reforma tributária prevê que o cálculo da CBS e do IBS sejam realizados “por fora”, ou seja, sobre o custo + margem serão aplicadas diretamente as alíquotas dos tributos, sem a realização do gross up, dando mais transparência quanto à carga tributária efetivamente aplicada à operação.

3. Não cumulatividade plena: as operações tributadas nas etapas anteriores gerarão créditos da CBS e do IBS, com poucas exceções, extinguindo-se inúmeras discussões quanto à possibilidade de crédito dentro das limitações existentes no atual modelo de não cumulatividade.

4. Imposto Seletivo (IS): com a finalidade de regular e desincentivar o consumo de certos produtos/serviços que possam ser prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a reforma tributária prevê, além do IVA dual, a criação do Imposto Seletivo (IS), incidindo sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços que se enquadrem nesse critério. Diferentemente da CBS e IBS, que não integram a base de cálculo um do outro, o IS integrará a base de cálculo tanto da CBS, quanto do IBS.

O período de transição e seus desafios

Diante das complexidades existentes no sistema tributário atual e das incertezas que ainda se apresentam em relação ao novo modelo, em especial quanto à alíquota a ser aplicada, a reforma tributária propõe um período de transição de 7 anos, no qual o governo poderá testar e calibrar a carga tributária da CBS e IBS, bem como endereçar possíveis efeitos de migração de um modelo para o outro.

No entanto, isso significa que o contribuinte terá que conviver paralelamente com os dois sistemas ao longo desses anos, o que aumentará, inevitavelmente, a complexidade durante o período. Mas, o esforço será recompensado após a migração integral, atingindo a esperada simplificação da carga tributária.

O início da transição está previsto para 2026, com a aplicação de alíquotas teste da CBS e do IBS (0,9% e 0,1%, respectivamente), que poderão ser deduzidas do PIS e da Cofins ou compensadas com outros tributos.

 

Confira as mudanças nos anos seguintes:

  • 2027:
    • Extinção do PIS e da Cofins, e estabelecimento da alíquota definitiva da CBS.
    • Redução das alíquotas do IPI a zero, mantendo a aplicação do imposto apenas aos produtos industrializados que sejam manufaturados na Zona Franca de Manaus, atuando como um mecanismo de compensação para manutenção da competitividade de empresas estabelecidas na Zona Franca de Manaus.
    • O IBS será mantido com a alíquota de 0,1%, havendo uma redução no mesmo percentual da alíquota da CBS.
    • Início da vigência do Imposto Seletivo.
  • 2028: sem mudanças previstas.
  • 2029: início da redução escalonada do ICMS e do ISS até 2032. No primeiro ano da redução (2029), o ICMS e ISS serão recolhidos considerando 9/10 das alíquotas atuais, reduzindo-se sempre um décimo a cada ano, até ser atingido 6/10 das alíquotas atuais em 2032, extinguindo efetivamente os impostos mencionados a partir de 2033. Durante todo este período, ainda não existe uma definição para a alíquota do IBS.
  • 2033: início do novo sistema tributário integralmente vigente, considerando a tributação indireta no Brasil apenas com a aplicação da CBS e do IBS, podendo haver a incidência do Imposto Seletivo no caso do produto ou serviço se enquadrar no rol a ser definido pelo Governo.

Serão diversos desafios até chegarmos à extinção do modelo tributário atual, pois a convivência com as novas regras fiscais junto às antigas, durante o período de transição, requererá adequações sistêmicas, observações de regras distintas de créditos (não cumulatividade plena versus não cumulatividade parcial), preparação de planos de ação para homologação e monetização de eventuais saldos credores de tributos acumulados no modelo atual, planejamento quanto à precificação dos produtos e serviços (que poderão sofrer impactos em sua carga tributária atual) etc.

Neste sentido, é muito importante que o contribuinte esteja ciente e se planeje para lidar com o aumento da complexidade que existirá ao longo do período de transição, mas saiba também que a migração para o novo modelo tributário trará simplificação, transparência e estímulo à economia do País – efeitos buscados após o período de maiores desafios.

Outros aspectos cobertos pela Reforma Tributária

Por fim, a Reforma Tributária aprovada prevê algumas outras alterações:

  • Sistema de cashback, em que parte do tributo pago seria devolvido às pessoas físicas em situação de vulnerabilidade social;
  • Aplicação de alíquotas progressivas no âmbito do ITCMD de acordo com o valor do bem a ser transmitido ou doado, transferindo a competência para o estado onde era domiciliado o de cujus ou onde tiver domicílio o donatário;
  • Incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves;
  • Manutenção do regime do Simples Nacional, bem como incentivos da Zona Franca de Manaus;
  • Criação de um Conselho Federativo responsável pela gestão do IBS, o qual será composto por representantes dos Estados, Distrito Federal e Municípios, e será responsável pela administração compartilhada da arrecadação, bem como regulamentação do IBS;
  • Prazo para publicação da lei complementar: diversos detalhes e regras que deverão ser observados pelo contribuinte devido ao novo sistema tributário serão conhecidos apenas a partir da publicação de lei complementar que abrange os aspectos do IBS e CBS. O texto final aprovado da reforma determinou prazo de 240 dias (a partir da data de sua promulgação) para publicação da referida lei.

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