Análise

DIFAL do ICMS: contribuinte precisa ficar atento ao desfecho do debate no STF sobre aplicação da LC 190

Por Bruna Bellini, sócia de Consultoria Tributária da Deloitte; e Fábio Braga, gerente de Consultoria Tributária da Deloitte

A Lei Complementar 190/22, que  disciplina a cobrança do ICMS diferencial de alíquota (DIFAL) sobre operações interestaduais cujo destinatário seja não contribuinte do imposto, está na berlinda. Não a Lei em si, mas sua aplicação: embora o texto da lei preveja aplicação imediata, há quem defenda que deve ser cobrada apenas em 2023, já que foi publicada em janeiro de 2022; de outro lado, há quem diga que ela poderia ser aplicada a partir de 90 dias da sua publicação, ou seja, a partir de abril. 

A decisão final está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 7066, ADI 7070, ADI 7078). Até novembro, quando o Ministro Gilmar Mendes pediu vistas, o placar estava 5 x 2, favorável à aplicação somente em 2023. O contribuinte precisa ficar atento a esse desfecho, que pode impactar as declarações do ano calendário 2022.

A publicação da Lei Complementar veio para pacificar um tema que há anos vem sendo motivo de discussões no judiciário e na doutrina acerca da sua constitucionalidade/legalidade de cobrança.

 A legislação vigente do ICMS disciplina que suas alíquotas são variadas e definidas conforme o tipo de produto e/ou a natureza da operação (origem e destino).

Quanto ao critério de origem e destino, a definição da alíquota se dá pela proveniência do produto (nacional ou importado), bem como se trata de operação interna ou interestadual:

  1. Em operações interestaduais, a legislação do ICMS determina que os Estados devem aplicar as alíquotas de 4% para bens que contém conteúdo de importação superior a 40% na sua composição, e 7% ou 12% para todas as demais mercadorias, diferenciando-se a partir do Estado de origem e de destino desses bens;
  2. Para operações internas nos Estados, as alíquotas de ICMS variam de acordo com cada legislação estadual, levando-se em conta, inclusive, categorias de produtos.

Regras do ICMS

Em operações interestaduais, a diferença entre o ICMS cobrado internamente e aquele decorrente da aplicação das alíquotas interestaduais deve ser recolhido ao Estado de destino pelo contribuinte destinatário do bem ou serviço comercializado. Nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 87/2015 alterou o artigo 155 da Constituição Federal de 1988 de modo a estender a obrigatoriedade de recolhimento do ICMS DIFAL para consumidores finais não contribuintes do ICMS, devendo o tributo, nesses casos, ser recolhido pelo remetente do bem, mercadoria ou serviço.

Nesse sentido, para que este DIFAL não contribuinte entrasse em vigor, era necessária sua regulamentação, o que foi prontamente providenciado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) com a edição do Convênio ICMS 93/2015 que tinha por intuito disciplinar a matéria. O convênio foi, ao longo do tempo, motivo de controvérsia pela doutrina e pelos contribuintes, uma vez que, com base na aplicação do artigo 146 inciso III, alíneas “a” e “b” da CF/88 compete à Lei Complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente em relação à definição de tributos e suas espécies, fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes, obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributárias. 

Ainda em 2021, a discussão chegou aos tribunais e foi matéria de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5469 e do Recurso Extraordinário RE 1.287.019 julgados em fevereiro de 2021 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, entendeu a suprema corte pela inconstitucionalidade do Convênio ICMS 93/2015, por entender ser necessária a publicação de Lei Complementar, não sendo o Convênio instrumento próprio para a regulamentação da matéria constitucional. Entretanto, na mesma decisão, entenderam os ministros do STF pela modulação dos efeitos da decisão para 1º de janeiro de 2022, tornando ainda válida a cobrança do DIFAL não contribuinte para o ano de 2021 e anos antecessores, e dando um tempo para que o Congresso Nacional regulasse a matéria sem prejuízo aos cofres públicos estaduais.

Uma vez modulados os efeitos da decisão da inconstitucionalidade do Convênio 93/2015, os Estados tiveram tempo para organizar a tramitação e aprovação de uma Lei Complementar no Congresso Nacional regulamentando a cobrança do ICMS sobre o diferencial de alíquota nas operações com não contribuinte, ainda em 2021, o que foi prontamente atendido pelo poder legislativo com a aprovação da Lei Complementar 190/2022.

A controvérsia

A Lei foi sancionada somente em janeiro de 2022 e, muito embora contenha previsão de aplicação imediata, diversos contribuintes têm argumentado que, por força da aplicação do princípio da anterioridade anual, o qual determina que a instituição de um imposto terá sua eficácia somente para o exercício fiscal seguinte, a cobrança do DIFAL não contribuinte não poderia ter efeitos no ano de 2022, ou seja, seria somente aplicável em 2023. 

No entanto, outros atores tributários e, nesse grupo, incluem-se alguns fiscos estaduais, tem entendido pela aplicação somente do princípio da anterioridade nonagesimal, considerando o prazo de 90 dias para a entrada em vigor da Lei Complementar 190/2022, ou seja, 4 de abril de 2022.

O caso mais emblemático dessa discussão vem do Estado de São Paulo, que publicou em dezembro de 2021 a Lei 17.470/2021, com o intuito de regulamentar a aplicação do ICMS sobre o diferencial de alíquotas no Estado, antecipando, inclusive, a sanção da Lei Complementar que possui aplicação em todo o território nacional. A referida lei, em seu artigo 4º, determinou que sua eficácia respeitaria o princípio da noventena, entrando em vigor 90 dias após a sua publicação.

A controvérsia da aplicação da Lei nº 17.470/2021 pelo Estado de São Paulo se dá pelo fato de que a própria Constituição Federal exige Lei Complementar para regulação da matéria, lei essa de competência legislativa do Congresso Nacional. O Estado de São Paulo tem argumentado que a inércia legislativa permite aos Estados a regulação de matérias de natureza tributária, por competência subsidiária, ignorando o fato de que a Lei Complementar nº 190/2022 estava para ser publicada.

Nesse cenário contraditório, diversos contribuintes têm acionado o judiciário de modo a garantir que seja determinada ao ICMS DIFAL não contribuinte, a aplicação do princípio da anterioridade anual, ao menos em suas próprias atividades, legitimando aos Estados a cobrança do tributo somente em 2023. A mais notória dessas decisões vem da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconheceu a tese apresentada por contribuintes de que o ICMS DIFAL não contribuinte pode ser cobrado somente em 2023, aplicando a anterioridade anual sobre a Lei Complementar nº 190/2022 e ignorando os efeitos da lei estadual paulista que tentava regular a matéria (processo 1012353-27.2022.8.26.0053).

A decisão pelo órgão colegiado de desembargadores paulistas traz mais segurança aos contribuintes quanto à possibilidade de desoneração do ICMS de suas operações interestaduais com não contribuintes, e abre portas para que outras decisões dessa natureza venham a ser tomadas – tanto no âmbito do Estado de São Paulo quanto nos demais Estados. 

A única alternativa aos contribuintes para a eliminação do ICMS DIFAL não contribuinte é o Judiciário, uma vez que os Estados têm sido diligentes na cobrança do imposto e na fiscalização do recolhimento nas barreiras fiscais. Entretanto, sendo bem-sucedida, tal qual na decisão proferida na 6ª Câmara de Direito Público do TJSP, a tese defendida traz economia tributária aos contribuintes num ano em que o cenário econômico tem sido desfavorável com a alta da inflação e a diminuição do poder de compra dos brasileiros.        

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