Análise

Lei da Igualdade Salarial e a implementação nas organizações

Tema requer atenção e planejamento estratégico para um cenário de equiparação no ambiente corporativo

*Por Ana Mocny, Layane Almeida de Matos, Juliana Gonçalves Arruda, Priscilla Avila Anjos de Moraes e Vinícius Archanjo Ferraz

A equidade de gênero no mercado de trabalho se coloca como um tema incontornável, demandando atenção e estratégias planejadas das organizações para que um cenário de igualdade seja construído. Longe de ser uma tendência, o tema é essencial por uma série de razões que reverberam tanto na esfera social, quanto nas dinâmicas organizacionais, e ganhou força com a sanção da Lei da Igualdade Salarial, em 2023. Por isso, as instituições estão cada vez mais empenhadas em ações que demonstrem impactos no desempenho corporativo.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a diferença de remuneração entre homens e mulheres chega a 22%. Ou seja, em média, uma trabalhadora brasileira recebe 78% do salário de um homem. A situação pode ficar ainda mais discrepante sob a lupa racial. Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), as mulheres negras ganham apenas 46% do salário de um homem branco no Brasil.

Os desafios, no entanto, ainda são muitos. Na recente pesquisa global da Deloitte, Women @ Work 2023, 47% das entrevistadas brasileiras declararam ter vivenciado ao menos um comportamento não-inclusivo no último ano. Desse total, 63% relataram para seus superiores as situações de assédio sofridas e 51% mencionaram ter vivenciado algum tipo de microagressão. A disparidade também alcança as vagas em cargos executivos. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que as mulheres ocupam apenas 38% dos cargos gerenciais de nível sênior e médio no País. Felizmente, a sociedade começa a reconhecer a existência desse desequilíbrio e já dá passos em direção a um ambiente igualitário.

As iniciativas para a redução das desigualdades estruturais de gênero no mercado de trabalho vêm aparecendo com estratégias de maior robustez e ganham maior notoriedade na legislação brasileira. Recentemente, duas leis federais foram implementadas, pensando nos desafios femininos no ambiente de trabalho. A lei 14.611/2023, que recebeu a alcunha de Lei da Igualdade Salarial, reforça a garantia de igualdade de salários entre homens e mulheres e o compromisso com um mercado de trabalho livre de discriminações de gênero e outros grupos minorizados. As medidas se aplicam às organizações com 100 ou mais empregados e que tenham sede, filial ou representação no Brasil.

De maneira geral, o texto determina a apresentação semestral de um relatório de transparência, com dados anonimizados, que possam servir de comparação sobre as posições e remunerações de mulheres e homens e seus critérios remuneratórios – tomando como base os cargos ou ocupações contidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e considerando informações de valores ligadas à situação contratual (salário, décimo terceiro, comissões, gratificações, entre outros). Os relatórios deverão ser enviados por meio da ferramenta digital que será disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos meses de março e setembro e, além disso, as empresas deverão disponibilizar seus relatórios em sites e/ou redes sociais oficiais como forma de divulgação para as pessoas colaboradoras, stakeholders e público, em geral.

Entre as medidas determinadas pela lei, estão a implementação de um canal de denúncias estruturado para receber possíveis casos de discriminação salarial; o desenvolvimento de um programa de diversidade e inclusão substancial a ponto de capacitar toda a força de trabalho – especialmente a liderança – em temas que envolvam a desigualdade de gênero e os desafios encontrados por mulheres no mercado de trabalho; a criação de estratégias nítidas de contratação, retenção e desenvolvimento de mulheres ao longo de sua jornada como colaboradoras.

Quando analisadas práticas voltadas para o canal de denúncia, o cenário é positivo e apresenta constante evolução. De acordo com dados do Selo Pró-Ética, na edição de 2020-2021, 97% das empresas candidatas a adquirir o selo possuíam canais de denúncias disponíveis aos empregados, ao passo que na edição de 2022-2023 esse percentual aumentou para 100%. Implementar o Canal de Denúncias e Sistema de Apuração de Relatos é uma importante ferramenta para detectar casos de disparidade salarial, proporcionando um ambiente mais ético e acolhedor às pessoas colaboradoras. A ação também traz segurança para os acionistas, a partir da identificação de desvios de conduta que podem trazer prejuízos financeiros e riscos de reputação e de imagem. A busca pela equiparação salarial entre homens e mulheres também possui sinergia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU de “Redução da Desigualdade” e “Igualdade de Gênero”, que já estabelece metas e incentiva que as empresas signatárias do Pacto Global adotem práticas para alcançar estes objetivos.

Diversidade e inclusão

Um ponto interessante – e que pode ser uma novidade para algumas organizações – é que, com a Lei de Igualdade Salarial, a necessidade de desenvolver um programa de diversidade e inclusão consistente deixa de ser uma sugestão de boa prática e passa a ser uma exigência. Parte das empresas, em especial as de maior porte, por vezes, já produzem e divulgam seus relatórios de sustentabilidade, que incluem dados demográficos de diversidade. Entretanto, com a nova lei, a divulgação passa a ser obrigatória e com uma maior frequência, o que pode mudar tanto o cenário das empresas que já realizam esses reports e, principalmente, daquelas que ainda não constroem essas informações de maneira estratégica.

A legislação é assertiva e nos leva à compreensão de que é preciso também construir um ambiente inclusivo para que mulheres e outros grupos minorizados possam trabalhar, se desenvolver e avançar em suas carreiras de maneira segura física e psicologicamente, como mostrou a pesquisa Tendências Globais do Capital Humano de 2023, da Deloitte. A partir disso, traçar e acompanhar metas é fundamental para o cenário de diversidade. A lei ainda indica a realização de treinamentos para toda a força de trabalho, o que também é parte estruturante de um programa de diversidade e inclusão, considerando a conscientização e as práticas de comportamentos inclusivos.

É interessante observar que os esforços necessários para atender a essa legislação serão multidisciplinares e deverão envolver diferentes áreas da organização. O papel das equipes de recursos humanos será crucial para o cumprimento dessa legislação, principalmente na criação ou revisão do plano de cargos e salários e na forma como se negocia durante o processo de recrutamento e seleção. Áreas como jurídico e compliance também precisarão estar atentas às demandas trazidas pela Lei de Igualdade Salarial, principalmente no que tange à preparação dos canais de denúncia.

As novas regras vêm de encontro com uma questão social persistente de desigualdade de gênero. Resta saber o que as organizações estão fazendo para, de fato, reverterem esse cenário de desequilíbrio. E, assim como a pesquisa de Tendências Globais do Capital Humano de 2023 da Deloitte ressalta, o momento é oportuno para realizar a real inclusão das mulheres e demais grupos minorizados, construindo oportunidades também reais de permanência e crescimento destes públicos. Fomentar uma cultura inclusiva é entender que, para além de cumprir o compliance regulatório e questões morais, as organizações podem esperar resultados imediatamente positivos, como aponta o estudo A Revolução da Diversidade e Inclusão, da Deloitte: probabilidade duas vezes maior de atingir metas financeiras, de ter equipes com performances três vezes melhores, de produzir com seis vezes mais inovação e agilidade e principalmente oito vezes mais probabilidade de alcançar melhores resultados nos negócios. Olhar para diversidade e inclusão é agir no presente planejando o futuro.

* Ana Mocny, sócia de Consultoria em Capital Humano da Deloitte; Priscilla Avila Anjos de Moraes, diretora de Risk Advisory da Deloitte; Juliana Gonçalves Arruda, gerente de Consultoria em Capital Humano; Layane Almeida Matos, gerente de Risk Advisory da Deloitte e Vinícius Archanjo Ferraz, consultor sênior de Consultoria em Capital Humano.
 

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